segunda-feira, 26 de setembro de 2011

mas era eu que sabia fingir, mas era eu que te fazia sonhar.

(...) Ela havia penetrado em meu mundo, na negra e umbrátil Humberlândia, com uma curiosidade impetuosa; examinara-o com um erguer de ombros de jovial desagrado; e agora parecia pronta a escapar dele com algo semelhante à mais pura repugnância. Jamais vibrou sob minhas carícias, e um estridente: "Opa, que que você está fazendo?" era tudo o que eu merecia em troca de meus esforços. Ao país das maravilhas que lhe ofertava, minha bobinha preferia os filmes mais banais, os sorvetes mais enjoativos. E pensar que entre um Hamburger e um Humburger ela invariavelmente se inclinava, com gélida precisão, para o primeiro! Não há nada mais atrozmente cruel do que uma criança adorada. Será que mencionei o nome do bar do motel que visitamos há pouco? Chamava-se, eu juro, A Rainha Frígida. Com um sorriso algo triste, apelidei-a de Minha Princesa Frígida. Mas ela não percebeu o que havia de melancólico na piada.

Ah, leitor, não me olhe com esse ar zangado, de modo algum quero dar a impressão de que não fui feliz. O leitor precisa entender que, como senhor e servo de uma ninfeta, o viajante encantado se encontra, por assim dizer, além da felicidade. Pois que não há na terra prazer que se compare ao de acarinhar uma ninfeta. É hors-concours esse prazer, pertence a outra classe, a outra esfera de sensibilidade. Apesar de nossas brigas, apesar de sua má-criação, apesar das exigências e caretas que ela fazia, sem falar na vulgaridade, no perigo e na horrível desesperança de tudo aquilo, eu ainda residia no paraíso de minha escolha, um paraíso cujo céu tinha a cor das chamas do inferno, mas ainda assim um paraíso.


Trecho do livro Lolita, de Vladimir Nabokov.

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

na estrênua brevidade
Vida:
realejos e abril
treva, amigos

eu me lanço rindo.
Nas tintas fio-de-cabelo
da aurora amarela,
no ocaso colorido de mulheres

eu sorrisando
deslizo. Eu
na grande viagem escarlate
nado, dizendomente;

(Você sabe?) o
sim, mundo
é provavelmente feito
de rosas & alô:

(de atélogos e,cinzas)


e. e. cummings

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

descobri que minha obsessão por cada coisa em seu lugar, cada assunto em seu tempo, cada palavra em seu estilo, não era o prêmio merecido de uma mente em ordem, mas, pelo contrário, todo um sistema de simulação inventado por mim para ocultar a desordem da minha natureza. descobri que não sou disciplinado por virtude, e sim como reação contra a minha negligência; que pareço generoso para encobrir minha mesquinhez, que me faço passar por prudente quando na verdade sou desconfiado e sempre penso no pior, que sou conciliador para não sucumbir às minhas cóleras reprimidas, que só sou pontual para que ninguém saiba como pouco me importa o tempo alheio. descobri, enfim, que o amor não é um estado da alma e sim um signo do zodíaco.


Memória de minhas putas tristes

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Sei das besteiras que faço
Das besteiras que falo
De onde vêm os hematomas
Dos medos e dos fracassos
Sei o que penso na insônia
Quando dou uma esmola
Quando digo minha glória
E penso nos vestidos
Sei das noites bebidas
Nos copos sujos e sujos
Conheço cada pedaço da rua
Conheço um pouco de tudo
E sei que digo mentira
Quando digo “Sei de tudo”
Falo demais sobre mim
E quando vejo
Já disse
Algumas verdades





Fernanda Young
(Dores do Amor Romântico)